Antigamente os ricos tinham terras e o que definia o status e o poder era a quantidade de terras que se tinha. Quanto mais terra, mais vassalos. Quanto mais vassalos, mais mão de obra trabalhando e maior a sua riqueza e poder. As leis, até muito pouco tempo atrás, trabalhavam para que pouquíssimos pudessem, efetivamente, ser donos das terras.
Até muito recentemente tinha-se apenas a posse (e muita área rural ainda é assim) e na troca da posse, os donos da terra ganhavam um pouquinho – isso praticamente virou o ITBI – mas agora você é o dono e quem recolhe este imposto é o governo.
Passaram-se algumas centenas de anos e vivemos a revolução industrial – agora além das terras os ricos tinham outros meios de produzir riqueza e explorar o trabalho alheio: máquinas, fábricas, projetos industriais. Criou-se uma nova classe dos detentores do poder econômico e social: os burgueses, que se estabeleceram com as indústrias de petróleo, transportes e os mercados de capitais para iniciar o processo de empresas centenárias, perpetuando o histórico de concentração de renda.
Chegamos na era da mídia, rádio e TV agora traziam informação, entretenimento e uma nova oportunidade de exibir anúncios e vender produtos para milhares de desavisados.
Enquanto a TV se popularizava a concessão de transmissão era barata e as empresas compraram concessões e tinham lá o seu canal de TV. Eram poucos canais pois era o que era possível transmitir com a tecnologia da época – e conseguir conteúdo não era uma tarefa tão simples. Era uma transmissão direta do canal para o usuário: os canais de TV eram os donos do meio de transmissão, os encanamentos do negócio eram Canal -> usuário.
Eis que vem uma revolução no meio da mídia: a TV a cabo com uma nova maneira de levar canais para centenas de milhares de telespectadores – criou-se um novo sistema de “encanamento” para distribuição de um produto e agora os canais tinham que pagar para uma operadora para conseguirem chegar aos seus usuários – a TV a cabo passou a valer mais do que os canais de TV.
Mais alguns anos chegamos nos meios digitais, o nascimento da internet comercial e logo em seguida a efusão de esperança na democratização do conteúdo com a promessa da “web 2.0”. O discurso agora era de que muito valor poderia ser criado mesmo se você não tivesse muito capital: uma promessa de que com uma boa ideia de produto ou serviço você poderia criar um excelente negócio.
Agora a burguesia e os donos dos “meios de produção” não tinham como impedir um programador de desenvolver e lançar um produto, ou um escritor ou jornalista de criar o seu blog e gerar e distribuir seu próprio conteúdo para um número infinito de usuários. Surgiu o RSS que fazia essa ligação direta entre público e produtor do conteúdo. O público tinha controle do que consumir e o produtor tinha finalmente um número virtualmente infinito de audiência, sem intermediários.
Os encanamentos chegaram finalmente na mão da ralé, do peão, dos trabalhadores.
E isso parecia estar funcionando: nasceram Apple, Microsoft, IBM e dezenas de empresas de jogos e software que revolucionaram o mercado computacional e de entretenimento.
Parecia, mas o que não se considerava – mas agora é óbvio em retrospecto – é a astúcia do capitalismo em cooptar inovações, gerar lucro e criar empecilhos para novos entrantes. O capitalista é um especialista em criar estes novos encanamentos, vender como se fosse algo bom para todos – ele vai chamar isso de eficiência e dizer que aumentará a disponibilização de um bem, barateará custos, ou qualquer outro discurso que fique bom em uma notícia paga. E quando o mundo aderir ao seu novo sistema de distribuição logo em breve será pego nem tão de surpresa com a instalação de um relógio medidor, que virá com uma cobrança para que qualquer um que queira utilizar aquele sistema.
Passamos pela nobreza do feudalismo, os burgueses da era industrial e me parece que carecemos de um novo termo para definir os donos dos encanamentos do mundo digital. Minha sugestão é titãs digitais, e estes trabalham incansavelmente para que tudo transite dentro do seu sistema de encanamentos: Google, Facebook, Amazon, Apple.
O Google matou o Google Reader, um leitor de Feed RSS que fazia essa ligação entre criador de conteúdo e público. Recentemente também matou o Google Podcast, que fazia esta mesma conexão com podcasts – agora você tem que usar o Youtube para isso e tanto o criador quanto o público ficam a mercê do obscuro algoritmo que define o que você vai consumir, ou para quem seu conteúdo será entregue.
Se você não utiliza os encanamentos de distribuição deles, você não está fazendo buscas e gerando impressão de anúncio, e acaba não clicando no primeiro resultado patrocinado – da loja que você já conhece mas agora reparte uma considerável do lucro com o Google via adwords.
E os donos dos encanamentos farão de tudo para que nenhum novo sistema de encanamento apareça – e vão gastar recursos com lobby, tecnologia e manipulação de opinião para fechar qualquer gotinha que esteja vazando.
Muito interessante e é o que eu venho pensado depois que passei por algo absurdo ano passado, após perder meus dados com o banimento da google.
Voltei agora pro meu site pessoal e tentando gerar um pouco de trafego organico e voltar a ser dono das minhas coisas.
Os meus textos antigos que estão no medium eu já passei para projetos “self-hosted” – quando o Posterous foi morto pelo Twitter, eu perdi bastante coisa. “Perdi”, pois deu tempo de baixar tudo – mas não ficaram publicados.